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sábado, 9 de junho de 2018

Alguns pensamentos dispersos e livres sobre as questões que se presentificam no estudo da psicanálise

Um dos grandes pontos que surge para nós, quando nos deparamos com o estudo da psicanálise, é o que Lacan nos situa como o Outro. Este Outro, o campo do Outro, essa dimensão de um terceiro que estaria ali entre eu e o outro, entre eu e meu semelhante igual a mim, surgiria uma dimensão onde um terceiro se presentificaria como se fosse o fantasma do pai de Hamlet, estando ali ao mesmo tem que também não está.
O Outro, podemos pensar livremente que um dos aspectos que ele pode representar é a dimensão do coletivo. Entre eu e meu semelhante, entre o desejo de nós dois, pode surgir um terceiro campo, que não é eu, Que não é o outro, mas que é sim esse produto que surge na soma entre eu mais o outro(eu+outro). Que corresponderia, quem sabe, naquilo que chamamos do laço social. Digamos que eu queria tomar café e meu semelhante, o outro, queria tomar chá. Nos reunimos ambos e decidimos algo que fique bom para os dois. Podemos decidir beber café, podemos decidir beber chá ou outra coisa qualquer, uma água mineral por exemplo. O que foi decidido não importa. O que importa é que algo foi acordado, foi feito um acordo entre nós. Talvez a posteori eu e meu semelhante descubramos que eu tinha razão, que o melhor era tomar café. Talvez a gente descubra que meu semelhante tinha razão, o melhor era tomar chá. E talvez nós dois descubramos que o melhor era mesmo a terceira opção, tomar água. Não há, em princípio, como determinar qual a melhor opção no momento em que ela foi tomada, isso só pode ser determinado a posteori, nos efeitos que a nossa decisão vai implicar.
Dizer que eu errei, que meu semelhante errou, sempre é uma constatação de um fato passado. Dificilmente vamos constatar que estamos errando, no momento em que erramos, no momento em que estamos nessa errância, nesse campo de errar sem direção. É no aposteori que determino que eu errei, eu estava em errância, sem rumo.
Me parece que aqui, dentro da visão da filosofia, este acordo que eu e meu semelhante fazemos, que instaura este ponto terceiro, este laço coletivo que não é o desejo meu nem o desejo do meu semelhante, mas é o desejo de nós dois estabelecido, acordado, entre um e outro, que prevalece. Na visão da filosofia, parece que este laço social, que representaria aquilo que é universal, igual para todos, o que é universal e igual para mim e para meu semelhante, onde eu e e ele concordamos, isso tem prevalência. É a essência, o essencial.
Me remete aquilo que Platão considerava, que pegamos todos os cachorros e tiramos desse grupo dos cachorros tudo que é de individual de cada cachorro, o que restaria seria a essência, o ser, a boa forma quem sabe, o que determina que este ente cachorro seja reconhecido como cachorro.
No entanto, me parece que em Freud, quando ele cria este campo que ele vai chamar de psicanálise, a prevalência do universal pelo singular não é uma garantia de certeza, de atingir a verdade. Parece-me que não necessariamente, na visão de Freud, o universal sempre será o lugar onde estará a dimensão da verdade, do verdadeiro, que algo ser universal não garante que portanto seja aí que se encontra a dimensão da verdade.
O universal não garante conter a dimensão de verdade sobre o singular, isto só poderá ser determinado a posteori. Há me parece aqui, a divergência fundamental que surge entre o caminho da psicanálise e da filosofia.
O campo do Outro não garante sua dimensão de verdade, porque o futuro não existe, o futuro não seria pré-determinado, passível de ser previsto. Quando faço uma previsão do futuro, quando digo que amanhã eu vou fazer isso, o que eu estaria evocando seria uma dimensão histórica, uma dimensão da tradição. Me parece que o próprio Heidegger, em determinadas passagens, nos permite interpretar isso desta forma.
Ou seja, eu ontem tomei café da manhã, eu sempre tomo café da manhã todos os dias. Portanto, isso me permite prever que amanhã eu vou tomar café, me permite focar isso e determinar isso como um campo de certeza para prever o amanhã.
Mas esta previsão está determinada por uma repetição, uma verdade histórica, uma tradição mantida. Digamos que amanhã eu decida não tomar café da manhã. Eu digo, “é a primeira vez que eu passo um dia sem tomar café da manhã”. É uma primeira vez, uma originalidade, uma invenção no meu modo de agir. Isso implica que eu posso modificar totalmente meu modo de agir no futuro, desde que eu consiga sair do inferno da necessidade de repetição da historicidade e da tradição. O que implica que a decisão que eu e meu semelhante tomamos, seja uma decisão onde prevalecerá a minha vontade, ou a vontade dele, ou a vontade que não é nem minha nem dele ela só será determinada como sendo a decisão correta a ser tomada ou não, quando ela tiver sido tornada passado e o que é futuro tornar-se presente. No presente, podemos constatar se a decisão tomada foi a melhor ou não, mas o mais importante é que o futuro não pode ser previsto, não posso de antemão, enquanto estou tomando a decisão, saber se ela é a correta. O futuro, a mim me parece, sempre é um falta, um vazio, onde aquilo que virá a ser não pode ser predeterminado, embora dentro da historicidade e da tradição eu possa ter a ilusão, como Freud chama de futuro de uma ilusão e depois um dos críticos de Freud responde como a ilusão de um futuro.
O futuro de uma ilusão, parece ilustrar a questão, qual futuro uma ilusão possui? Parece-me que esta é a pergunta que Freud nos faz. Qual é o futuro de uma crença, por exemplo, de que tudo dará certo, de que tudo ficará bem no final. Qual futuro irá surgir a partir da posição ilusória contida dentro desse mantra, desta mística de que tudo dará certo?  
E por outro lado, nessa ilusão de um futuro, fica a indagação como eu poderia predeterminar de antemão, em um trabalho de vidência, que corresponderia a algo entre uma posição mística e sobrenatural de determinar e prever o futuro, ou que pode ser conceitualizado como a tentativa de saber de antemão para onde a lógica do inconsciente está no levando, determinar essa lógica no exato momento em que ela sempre está nos levando, nos determinando, poder determinar de antemão quais os caminhos que o inconsciente vai nos levar, qual a direção que as formações do inconsciente vão realizar no exato momento em que elas já estão nos levando. 
Nesse ponto encontramos a divergência de opiniões entre de um lado os místicos, que consideram haver ai a magia e de outro a posição de Lacan, que isso não é magia, mas lógica do inconsciente. E a posição de que não importa quem estaria mais correto, se os místicos ou Lacan, mas sim a constatação de que os efeitos são os mesmos, ou seja, algo que é impossível de ser capturado, determinado de antemão. Vemos os efeitos da lógica do inconsciente operando em nossas vidas, mas fica a questão, podemos controlar isso? O mais sábio é perceber, como Freud que nós é que somos controlados por isso.
A ilusão de um futuro implica o horror e o fascínio, aquele sentimento do sublime que Kant tão lindamente nos conceitua para nós, a posição sublima que podemos adotar frente ao constatar que não, nada está pré-determinado, nada está pré-definido com relação ao futuro. Como na música “o que será, será”, o que tiver de ser será, os caminhos para onde essa lógica do inconsciente, essas formações do inconsciente forem nos levar ainda não foram escritos e inscritos na nossa vida. Mas me parece, que se há algo que a psicanálise nos ensina, é que não há necessidade de ficarmos parados, passivos frente a este futuro que surge como destino. Há coisas, escolhas que podemos fazer, no exato momento do presente, novas escolhas, novos caminhos, ousar fazer coisas no presente que nunca antes fizemos, que podem sim produzir efeitos no mínimo interessantes em nosso futuro. Quais efeitos serão estes? Só saberemos quando o futuro virar presente.
Mas certamente, aquela posição de que “eu sempre fiz assim” ou “eu sempre escolho, entre ir para a esquerda e ir para a direita, ir para à esquerda”, essa posição de historicidade e tradição não é mais garantia. Não é nem mesmo garantia de, se no passado escolhi ir para esquerda e isso gerou estes efeitos, não é garantido que se eu escolher agora ir para a esquerda os mesmos efeitos serão gerados. E eu não falo aqui de posições políticas de esquerda ou direita, falo no sentido de esquerda direita espacialmente. Porque se falarmos de política, parece-me que escolher entre a direita ou a esquerda está sempre gerando os efeitos de que uma minoria continua sempre controlando e subjugando uma maioria.


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