Um dos
grandes pontos que surge para nós, quando nos deparamos com o estudo da
psicanálise, é o que Lacan nos situa como o Outro. Este Outro, o campo do
Outro, essa dimensão de um terceiro que estaria ali entre eu e o outro, entre
eu e meu semelhante igual a mim, surgiria uma dimensão onde um terceiro se
presentificaria como se fosse o fantasma do pai de Hamlet, estando ali ao mesmo
tem que também não está.
O Outro,
podemos pensar livremente que um dos aspectos que ele pode representar é a
dimensão do coletivo. Entre eu e meu semelhante, entre o desejo de nós dois,
pode surgir um terceiro campo, que não é eu, Que não é o outro, mas que é sim
esse produto que surge na soma entre eu mais o outro(eu+outro). Que
corresponderia, quem sabe, naquilo que chamamos do laço social. Digamos que eu
queria tomar café e meu semelhante, o outro, queria tomar chá. Nos reunimos
ambos e decidimos algo que fique bom para os dois. Podemos decidir beber café,
podemos decidir beber chá ou outra coisa qualquer, uma água mineral por
exemplo. O que foi decidido não importa. O que importa é que algo foi acordado,
foi feito um acordo entre nós. Talvez a posteori eu e meu semelhante
descubramos que eu tinha razão, que o melhor era tomar café. Talvez a gente
descubra que meu semelhante tinha razão, o melhor era tomar chá. E talvez nós
dois descubramos que o melhor era mesmo a terceira opção, tomar água. Não há,
em princípio, como determinar qual a melhor opção no momento em que ela foi
tomada, isso só pode ser determinado a posteori, nos efeitos que a nossa
decisão vai implicar.
Dizer que
eu errei, que meu semelhante errou, sempre é uma constatação de um fato
passado. Dificilmente vamos constatar que estamos errando, no momento em que
erramos, no momento em que estamos nessa errância, nesse campo de errar sem
direção. É no aposteori que determino que eu errei, eu estava em errância, sem
rumo.
Me parece
que aqui, dentro da visão da filosofia, este acordo que eu e meu semelhante
fazemos, que instaura este ponto terceiro, este laço coletivo que não é o
desejo meu nem o desejo do meu semelhante, mas é o desejo de nós dois
estabelecido, acordado, entre um e outro, que prevalece. Na visão da filosofia,
parece que este laço social, que representaria aquilo que é universal, igual
para todos, o que é universal e igual para mim e para meu semelhante, onde eu e
e ele concordamos, isso tem prevalência. É a essência, o essencial.
Me remete
aquilo que Platão considerava, que pegamos todos os cachorros e tiramos desse
grupo dos cachorros tudo que é de individual de cada cachorro, o que restaria seria
a essência, o ser, a boa forma quem sabe, o que determina que este ente cachorro
seja reconhecido como cachorro.
No entanto,
me parece que em Freud, quando ele cria este campo que ele vai chamar de
psicanálise, a prevalência do universal pelo singular não é uma garantia de
certeza, de atingir a verdade. Parece-me que não necessariamente, na visão de
Freud, o universal sempre será o lugar onde estará a dimensão da verdade, do
verdadeiro, que algo ser universal não garante que portanto seja aí que se
encontra a dimensão da verdade.
O universal
não garante conter a dimensão de verdade sobre o singular, isto só poderá ser
determinado a posteori. Há me parece aqui, a divergência fundamental que surge
entre o caminho da psicanálise e da filosofia.
O campo do
Outro não garante sua dimensão de verdade, porque o futuro não existe, o futuro
não seria pré-determinado, passível de ser previsto. Quando faço uma previsão
do futuro, quando digo que amanhã eu vou fazer isso, o que eu estaria evocando
seria uma dimensão histórica, uma dimensão da tradição. Me parece que o próprio
Heidegger, em determinadas passagens, nos permite interpretar isso desta forma.
Ou seja, eu
ontem tomei café da manhã, eu sempre tomo café da manhã todos os dias. Portanto,
isso me permite prever que amanhã eu vou tomar café, me permite focar isso e
determinar isso como um campo de certeza para prever o amanhã.
Mas esta
previsão está determinada por uma repetição, uma verdade histórica, uma tradição
mantida. Digamos que amanhã eu decida não tomar café da manhã. Eu digo, “é a
primeira vez que eu passo um dia sem tomar café da manhã”. É uma primeira vez,
uma originalidade, uma invenção no meu modo de agir. Isso implica que eu posso
modificar totalmente meu modo de agir no futuro, desde que eu consiga sair do
inferno da necessidade de repetição da historicidade e da tradição. O que implica
que a decisão que eu e meu semelhante tomamos, seja uma decisão onde
prevalecerá a minha vontade, ou a vontade dele, ou a vontade que não é nem
minha nem dele ela só será determinada como sendo a decisão correta a ser
tomada ou não, quando ela tiver sido tornada passado e o que é futuro tornar-se
presente. No presente, podemos constatar se a decisão tomada foi a melhor ou
não, mas o mais importante é que o futuro não pode ser previsto, não posso de
antemão, enquanto estou tomando a decisão, saber se ela é a correta. O futuro,
a mim me parece, sempre é um falta, um vazio, onde aquilo que virá a ser não
pode ser predeterminado, embora dentro da historicidade e da tradição eu possa
ter a ilusão, como Freud chama de futuro de uma ilusão e depois um dos críticos
de Freud responde como a ilusão de um futuro.
O futuro de
uma ilusão, parece ilustrar a questão, qual futuro uma ilusão possui? Parece-me
que esta é a pergunta que Freud nos faz. Qual é o futuro de uma crença, por
exemplo, de que tudo dará certo, de que tudo ficará bem no final. Qual futuro
irá surgir a partir da posição ilusória contida dentro desse mantra, desta mística
de que tudo dará certo?
E por outro
lado, nessa ilusão de um futuro, fica a indagação como eu poderia predeterminar
de antemão, em um trabalho de vidência, que corresponderia a algo entre uma
posição mística e sobrenatural de determinar e prever o futuro, ou que pode ser
conceitualizado como a tentativa de saber de antemão para onde a lógica do
inconsciente está no levando, determinar essa lógica no exato momento em que
ela sempre está nos levando, nos determinando, poder determinar de antemão quais
os caminhos que o inconsciente vai nos levar, qual a direção que as formações
do inconsciente vão realizar no exato momento em que elas já estão nos levando.
Nesse ponto
encontramos a divergência de opiniões entre de um lado os místicos, que
consideram haver ai a magia e de outro a posição de Lacan, que isso não é
magia, mas lógica do inconsciente. E a posição de que não importa quem estaria
mais correto, se os místicos ou Lacan, mas sim a constatação de que os efeitos
são os mesmos, ou seja, algo que é impossível de ser capturado, determinado de
antemão. Vemos os efeitos da lógica do inconsciente operando em nossas vidas,
mas fica a questão, podemos controlar isso? O mais sábio é perceber, como Freud
que nós é que somos controlados por isso.
A ilusão de
um futuro implica o horror e o fascínio, aquele sentimento do sublime que Kant
tão lindamente nos conceitua para nós, a posição sublima que podemos adotar
frente ao constatar que não, nada está pré-determinado, nada está pré-definido
com relação ao futuro. Como na música “o que será, será”, o que tiver de ser
será, os caminhos para onde essa lógica do inconsciente, essas formações do
inconsciente forem nos levar ainda não foram escritos e inscritos na nossa vida.
Mas me parece, que se há algo que a psicanálise nos ensina, é que não há
necessidade de ficarmos parados, passivos frente a este futuro que surge como
destino. Há coisas, escolhas que podemos fazer, no exato momento do presente,
novas escolhas, novos caminhos, ousar fazer coisas no presente que nunca antes
fizemos, que podem sim produzir efeitos no mínimo interessantes em nosso
futuro. Quais efeitos serão estes? Só saberemos quando o futuro virar presente.
Mas
certamente, aquela posição de que “eu sempre fiz assim” ou “eu sempre escolho,
entre ir para a esquerda e ir para a direita, ir para à esquerda”, essa posição
de historicidade e tradição não é mais garantia. Não é nem mesmo garantia de,
se no passado escolhi ir para esquerda e isso gerou estes efeitos, não é
garantido que se eu escolher agora ir para a esquerda os mesmos efeitos serão
gerados. E eu não falo aqui de posições políticas de esquerda ou direita, falo
no sentido de esquerda direita espacialmente. Porque se falarmos de política, parece-me
que escolher entre a direita ou a esquerda está sempre gerando os efeitos de
que uma minoria continua sempre controlando e subjugando uma maioria.
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